Improbidade Adiministrativa

Novas regras sobre absolvição criminal e reflexos sobre a ação de improbidade

  1. Estranhezas da Lei 14.230/21

As mudanças na Lei de Improbidade promovidas pela Lei 14.230/21 ainda precisam de tempo para serem integralmente compreendidas.

Isso não impede a estranheza que algumas novas disposições causam de imediato.

Chamo a atenção, neste breve artigo, para a nova redação dos parágrafos do art. 21 da Lei 8.429/92 (LIA).

O art. 21 trata da comunicabilidade entre sentença penal absolutória e ação de improbidade. Ao dispositivo foram acrescidos cinco parágrafos com regras específicas sobre o efeito de outros processos sobre o processo da improbidade.

Destaca-se, por exemplo, o novo parágrafo 3º do art. 21 que determina a produção de efeitos das sentenças civis sobre a ação de improbidade.

Sempre defendi, mesmo antes da Lei 14.230/21, que a ação de improbidade também é impactada pela sentença penal absolutória. Tal efeito extraprocessual da sentença penal não tinha previsão legal, exceto quanto aos processos cíveis e aos processos disciplinares, desde que desencadeados para apuração do mesmo fato.

Como tal efeito foi atribuído também às sentenças cíveis, além do caso da absolvição penal, uma sentença por exemplo indenizatória, desde que absolva o réu com base na negativa de autoria ou ausência de materialidade, também produzirá efeitos extraprocessuais de modo a obrigar a absolvição na ação de improbidade.

Para analisar outra inovação surpreendente é preciso relembrar brevemente como funciona a incomunicabilidade de instâncias.

2. A múltipla responsabilidade dos agentes públicos

Como se sabe, uma única conduta praticada pelo agente público no exercício da função pode desencadear seis processos distintos de responsabilização:

1) civil;

2) penal;

3) administrativo disciplinar;

4) improbidade administrativa;

5) responsabilidade política (Lei n. 1.079/50);

6) processo de controle.

Tais instâncias são, como regra, independentes de modo que o resultado em um processo não interfere nos demais.

Como dito, sempre houve uma única exceção a essa regra: a absolvição criminal por negativa de autoria ou ausência de materialidade fez coisa julgada nas esferas civil e no administrativa (art. 126 da Lei n. 8.112/90).

Sendo o processo penal a esfera mais “garantista” e que busca a verdade real, sempre sustentamos que a sentença penal absolutória, desde que fundamentada na negativa de autoria ou ausência de materialidade, impede a condenação do agente, pelo mesmo fato,na ação de improbidade administrativa.

3. Novos casos de comunicabilidade de instâncias

Com o advento da Lei 14.230/21, foram ampliadas as hipóteses em que a sentença penal absolutória repercute na ação de improbidade.

Agora, em todas as hipóteses do artigo 386 do Código de Processo Penal, desde que a confirmada por órgão colegiado, a absolvição criminal, voltada à punição pelo mesmo fato, impede a condenação por improbidade administrativa.

Com as novas regras, passam a ser sete as hipóteses de absolvição previstas no art. 386 do CPC, todas vinculando a ação de improbidade:

I – estar provada a inexistência do fato;

II – não haver prova da existência do fato;

III – não constituir o fato infração penal;

IV –  estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;           

V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;          

VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência. Cabe listar quais são tais circunstâncias que devem absolver o réu na improbidade por reflexo da sentença penal absolutária:

  1. erro de tipo;
  2. descriminantes putativas;
  3. erro determinado por terceiro;
  4. erro sobre a pessoa;
  5. erro sobre a licitude do fato;
  6. coação irresistível e obediência hierárquica;
  7. estado de necessidade;
  8.  legítima defesa;
  9. estrito cumprimento do dever legal;
  10. inimputabilidade;
  11. e embriaguez completa;

VII – não existir prova suficiente para a condenação.“    

Deve-se insistir nessa relevante mudança: sendo o réu acusado pelo mesmo fato,

 em qualquer uma das hipóteses acima listadas, a absolvição criminal acarreta automática absolvição também na ação de improbidade.

Trata-se de uma mudança bastante vantajosa para os acusados de improbidade.

Imagine, por exemplo, que um servidor é acusado de dolosamente prevaricar (deixar de praticar ato de ofício). Nesse caso, devem ser instaurados o processo crime e a ação de improbidade.

Se o acusado for absolvido na ação penal nas duas primeiras instâncias com fundamento, por exemplo, na falta de provas, o novo art. 21, § 4º, da Lei 8429/92, determina que a ação de improbidade deverá ser extinta produzindo igualmente a absolvição do réu.

É o que se extrai da redação cristalina do novo dispositivo: art. 23, § 4: “a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).   

Trata-se, sem dúvida, de uma inovação que obrigará a imediata absolvição de milhares de réus processados simultaneamente pela prática de crime e por acusação de improbidade, cabendo a nós advogados suscitar de imediato nas ações de improbidade em andamento a necessária extinção do feito face a absolvição criminal.

Para nós, advogados, é uma tese de defesa com enorme potencialmente para absolvição de clientes processados por improbidade.

Fique de olho nessa oportunidade.

Alexandre Mazza. Advogado em São Paulo
especializado em improbidade administrativa. Pós-Doutor em Direito pelas
Universidades de Coimbra (Portugal) e Salamanca (Espanha). Contato:
alexandre.mazza@uol.com.br

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