Improbidade Adiministrativa

Particulares sujeitos à Lei de Improbidade e o “caso Guilherme Fontes”

Guilherme Fontes

Vamos falar hoje sobre improbidade imprópria, isto é, os casos excepcionais em que um particular, que não é agente público, pode ser punido por ato ímprobo. Como regra, somente pode praticar improbidade um agente público, ainda que seu vínculo com o estado seja temporário ou sem remuneração.

Todavia, somente em quatro hipóteses particulares (não não-agentes públicos), sejam pessoas físicas ou jurídicas, podem ser punidos por improbidade (imprópria), quando:

1) induzam dolosamente o agente à prática do ato (art. 3º da LIA);

2) concorram dolosamente para a prática do ato (idem);

3) figuram como beneficiários do ato. É o caso, por exemplo, do particular, pessoa física ou jurídica, que celebra com a administração pública convênio, contrato de repasse, contrato de gestão, termo de parceria, termo de cooperação ou ajuste administrativo equivalente (art. 2º, parágrafo único)[1];

4) forem sucessores de quem praticou o ato, até o limite da herança (arts. 8º e 8º-A).

Em qualquer caso, porém, o particular não pode responder sozinho nas ações de improbidade.

Nesse sentido, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.405.748 (21-5-2015), extinguiu a ação de improbidade proposta isoladamente contra o ator Guilherme Fontes pela demora na conclusão do filme Chatô – o Rei do Brasil.

“A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou nesta quinta-feira (21) recurso do Ministério Público Federal (MPF) que pedia a condenação do ator e diretor Guilherme Fontes por improbidade administrativa. O motivo foi a captação de recursos oriundos de renúncia fiscal para produção do filme ‘Chatô – O Rei do Brasil’, que não havia sido concluído até o ajuizamento da ação. Só depois de quase 20 anos de produção, o filme foi lançado.

Seguindo a jurisprudência consolidada no STJ, a maioria dos ministros entendeu que particulares não podem responder sozinhos a ações com base na Lei de Improbidade Administrativa (LIA), sem que também figure como réu na ação um agente público responsável pela prática do ato considerado ímprobo. O particular só responde como participante do ato.

Segundo a posição vencedora na Turma, o conceito de agente público previsto no art. 2º da LIA deve ser interpretado restritivamente, impedindo seu alargamento para alcançar particulares que não se encontram no exercício de função estatal.

O processo

A ação civil pública por improbidade administrativa foi ajuizada pelo MPF em dezembro de 2010 contra a empresa Guilherme Fontes Filmes Ltda., contra o próprio Guilherme Fontes e a empresária Yolanda Coeli. O objetivo era responsabilizá-los pela má administração de R$ 51 milhões que foram captados com base na Lei Rouanet e na Lei do Audiovisual.

Segundo o MPF, investigações conduzidas pelo Ministério da Cultura, Controladoria Geral da União (CGU), Agência Nacional de Cinema (Ancine) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM) constataram diversas irregularidades administrativas cometidas pelos réus, que teriam agido com negligência na gestão de dinheiro público, com vultosos danos ao erário.

O MPF pediu aplicação das penalidades previstas no art. 12 da LIA. Citou expressamente a perda da função pública, caso ocupassem; suspensão dos direitos políticos; ressarcimento do dano; pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais.

Decisões judiciais

A sentença julgou o processo extinto sem resolução de mérito ao fundamento de que não se pode falar em ato de improbidade administrativa praticado exclusivamente por particular sem que haja atuação de agente público.

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) negou a apelação do MPF. Os magistrados afirmaram que a elaboração de um filme por particular, ainda que haja ajuda financeira da administração pública, não pode ser interpretada como serviço realizado mediante delegação contratual ou legal pelo Poder Público, a ser executado em razão de concessão.

A decisão de segundo grau está em sintonia com a jurisprudência do STJ, razão pela qual o recurso do MPF foi negado. Ficou vencida a relatora do caso, desembargadora convocada Marga Tessler, que votou pelo provimento do recurso”2.

Convém destacar que não há litisconsórcio passivo necessário entre o agente público e os terceiros beneficiados com o ato ímprobo (STJ: AgRg no REsp 1.421.144/PB).

Quanto ao prazo prescricional, a ação de improbidade contra particular sujeita-se à mesma forma de contagem aplicável ao agente litisconsorte.

Em resumo, somente será possível punir um particular por improbidade se a ação for proposta também contra um agente público.

Alexandre Mazza. Advogado em São Paulo especializado em improbidade administrativa. Pós-Doutor em Direito pelas Universidades de Coimbra (Portugal) e Salamanca (Espanha). Contato: alexandre.mazza@uol.com.br

Ouça mais sobre esse conteúdo no meu Podcast do Spotify

Siga o @professorMazza no Instagram

Conheça o meu Canal no Youtube


[1] Com as mudanças impostas pela Lei 14.230/21,estranhamente a LIA deixou de mencionar, de forma clara, a responsabilidade dos beneficiários do ato ímprobo. Todavia, indiscutível a possibilidade de beneficiários figurarem como sujeitos ativos do ato de improbidade. É o que se conclui da simples leitura do art. 19: “Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *