Improbidade Adiministrativa

Princípio da insignificância e improbidade administrativa

Hoje vamos abordar um tema controvertido relacionado à improbidade administrativa, a saber: se a conduta impugnada tiver baixíssimo potencial lesivo aos cofres públicos ainda assim será improbidade?

A questão é relevante na medida em que, por exemplo, frequentemente agentes públicos se apossam, até de forma inconsciente, de pequenos materiais pertencentes à repartição pública, como canetas, folhas de papel, clips etc.

Em hipóteses assim, fariam sentido, à luz do sistema normativo pátrio, a instauração de inquérito civil e a consequente propositura da ação de improbidade?

Pois bem, é certo que a Lei de Improbidade (8429/92) não faz referência a patamares mínimos para a caracterização de uma lesão ao erário. Mesmo assim não é razoável movimentar a máquina pública persecutória a fim de punir uma conduta cujo impacto sobre o interesse público seja desprezível.

Há tempos defendemos que o princípio da insignificância deve aplicar-se também ao processo de improbidade, evitando-se que o custo do acionamento do Ministério Público e do Judiciário supere o dano experimentado pelo erário.

Não nos parece haver um limite claro a partir do qual se possa objetivamente aferir a significância ou não da conduta impugnável. Resta avaliar, à luz do caso concreto, se há de preponderar a razoabilidade, aplicando-se o princípio da insignificância de modo a afastar punições decorrentes de pequenos ilícitos, ou, pelo contrário, a razoabilidade cede passo à legalidade, impondo-se a sanção ainda que seja mínimo o patrimônio público afetado.

Entretanto, não é esse o deslinde que o Superior Tribunal de Justiça aplicou ao tema.

No julgamento do Recurso Especial n. 892.818-RS, o STJ afastou a aplicação do princípio da insignificância na prática de atos de improbidade administrativa.

O caso tratado na decisão envolvia o uso de carro oficial e da força de trabalho de três servidores municipais para transportar móveis particulares de chefe de gabinete de prefeitura municipal.

O Tribunal entendeu que nos atos de improbidade está em jogo a moralidade administrativa, “não se admitindo que haja apenas um pouco de ofensa, sendo incabível o julgamento basear-se exclusivamente na ótica econômica”.

Assim, sustenta o tribunal, o princípio da insignificância e a teoria dos delitos de bagatela não se aplicam aos atos de improbidade administrativa.

Todavia, o próprio STJ tempera sua orientação jurisprudencial ao sustentar que a LIA não deve ser aplicada para punir meras irregularidades administrativas, erros toleráveis ou transgressões disciplinares (REsp 1.245.622). Exemplo: não constitui improbidade a acumulação de cargos públicos com a efetiva prestação do serviço, por valor irrisório pago ao profissional de boa-fé.

Recentemente, surgiram elementos normativos que interferem na interpretação da questão.

Isso porque a Lei 14.230/21 fixou duas novas regras específicas a respeito da improbidade de baixo impacto sobre o patrimônio público:

a) quanto aos atos de improbidade que atentam contra princípios da Administração, o art. 11, §4º determina que “os atos de improbidade de que trata este artigo exigem lesividade relevante ao bem jurídico tutelado para serem passíveis de sancionamento e independem do reconhecimento da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos”;

b) no caso de atos de menor ofensa aos bens jurídicos, “a sanção limitar-se-á à aplicação de multa, sem prejuízo do ressarcimento do dano e da perda dos valores obtidos, quando for o caso, nos termos do caput deste artigo” (art. 12, § 5º).

São dois dispositivos novos que pressupõem a possibilidade de atos ímprobos de pequeno valor, alinhando-se com o entendimento geral do STJ no sentido da inexistência de “improbidade insignificante”.

Cabe ponderar, inobstante, que a nova exigência de dolo para a caraterização de qualquer ato ímprobo, inserida pela Lei 14.230/21, afasta a possibilidade de punir o agente público que, involuntariamente, causa dano ao erário. Desse modo, em muitos dos casos nos quais discutir-se-ia a incidência ou não do princípio da insignificância antes da sobrevinda da Lei 14.230/21, esvaziou-se o sentido prático do debate na medida em que a ausência de dolo descaracteriza o ilícito.

Alexandre Mazza. Advogado em São Paulo especializado em improbidade administrativa. Pós-Doutor em Direito pelas Universidades de Coimbra (Portugal) e Salamanca (Espanha). Contato: alexandre.mazza@uol.com.br

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