Improbidade Adiministrativa

Mudanças na Lei de Improbidade: “abolitio infracciones“

Lei 8429/92: um diploma repleto de dúvidas

O Senado Federal aprovou ontem, 5 de outubro de 2021, o projeto de lei que promove alterações na Lei de Improbidade Administrativa, a Lei 8429/92 (LIA).

O PL agora vai para sanção presidencial e, ao que tudo indica, será sancionado sem ressalvas.

Entre as novidade, figuram a mudança na contagem do prazo prescricional para agentes políticos, a inclusão dos chamados acordos não-persecução e a legitimidade exclusiva do Ministério Público para propositura da ação judicial.

O tópico mais polêmico, entretanto, diz respeito à exclusão da chamada “improbidade culposa”, prevista no art. 10 da LIA. Do jeito como a lei está, ficam igualados para fins de punição o agente que atuou como má-fé ou dolo e aquele que simplesmente agiu de forma imprudente.

Alguns autores, como Fernando Capez, já sustentavam ser absurda a previsão de improbidade culposa em face da gravidade das penas previstas na lei.

Vamos analisar a questão.

É sabido que os artigos 9º a 11 da Lei 8429/92 tipificam exemplificativamente condutas ímprobas, separando-as em quatro categorias:

  1. atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito do agente (art. 9º);
  2. atos de improbidade que causam lesão ao erário (art. 10);
  3. atos de improbidade decorrentes da concessão ilegal de benefícios em matéria de Imposto sobre Serviços (art. 10-A);
  4. atos de improbidade que atentam contra princípios administrativos (art. 11).

Ocorre que somente os atos que causam lesão ao erário, no art. 10, preveem expressamente a variação culposa. Vejamos: “Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei” (original sem grifos). Nos demais dispositivos somente havendo dolo ou má-fé é possível caracterizar o ato como ímprobo.

A peculiar figura da improbidade culposa decorre de um verdadeiro fetiche que o legislador brasileiro tem com os danos financeiros ao erário, fetiche este decorrente, pode-se dizer, de uma concepção patrimonialista sobre o que é o interesse público. A Lei 8429/92 perpetra a barbaridade de admitir improbidade culposa, ampliando o espectro de condutas puníveis, para uma categoria de atos que nem a própria lei considera os mais graves. Cabe lembrar que pelos parâmetros punitivos fixados no art. 11, os comportamentos mais graves estão elencados como atos que causam enriquecimento ao agente (art. 9º).

Qual o impacto da mudança sobre quem já foi punido?

Mas há outro tema ainda mais instigante

Importa indagar se a mudança efetivada na LIA, excluindo ilícitos culposos, retroage para favorecer quem já foi punido em função de improbidade não-intencional.

A resposta deve ser afirmativa.

Por simetria às regras previstas nos arts. 2º  do Código Penal e 106 do Código Tributário Nacional, entendemos que a eliminação de uma categoria de ilícitos opera verdadeira “abolitio infracciones”, revogando as penas aplicadas a todos os agentes já punidos por improbidade culposa.

É certo que a retroatividade da nova lei só faz sentido para os casos em que as penalidades impostas ainda estão a produzir efeitos, como as sanções de inelegibilidade e perda do cargo. Punições já exauridas não podem, como regra, ser desfeitas pois a retroatividade da nova lei esbarraria no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, que veda a eficácia retroativa nos casos de ato jurídico perfeito.

Em aberto fica o debate sobre o dever estatal de restituir valores pagos pelo condenado por improbidade culposa a título de sanções em pecúnia, como multa civil, ressarcimento do dano e devolução de bens. Fazendo uma primeira análise do tema, parece-nos que é caso sim de responsabilidade estatal, forte no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, uma vez que presentes os três requisitos exigidos para configurar o dever estatal de indenizar, a saber: ato, dano e nexo.

Alexandre Mazza. Advogado em São Paulo
especializado em improbidade administrativa. Pós-Doutor em Direito pelas
Universidades de Coimbra (Portugal) e Salamanca (Espanha). Contato:
alexandre.mazza@uol.com.br

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